Talvez o nome Cosan não soe tão familiar aos clientes do sistema bancário, uma vez que sua aparição na grande mídia é bem recente, patrocinando corridas de rua por todo país.  Oriunda de uma usina de açúcar fundada em Piracicaba nos anos 30, o grupo liderado por Rubens Ometto, tem desenvolvido uma consistente estratégia de crescimento baseada na diversificação de seus negócios.

Caso você possua veículo próprio, já deve abastecido em algum posto Shell. Pois bem, esta gigante anglo-holandesa, tem com a Cosan uma joint venture(1) denominada Raízen.

Mas porque a antiga usina quer criar uma empresa de meios de pagamento? Utilizaremos os conceitos do professor Jay Barney(2), conhecido por sua teoria sobre especificidade de ativos, para analisar os movimentos da usina piracicabana. Antes porém, contextualizemos o setor sucroalcooleiro nas últimas décadas.

Os anos 70 no Brasil foram caracterizados pelo milagre econômico(3) e pela crise mundial de petróleo, cujo impacto na economia motivou os militares a criarem o Proálcool, visando substituir os carros a gasolina. Tal iniciativa trouxe um impulso ao setor com a produção de álcool destinado aos veículos desenvolvidos pelas montadoras. Todavia com a queda no preço do petróleo, tal programa caiu em descrédito, desestruturando o segmento.

Colocado este pano de fundo, visando reduzir o risco de suas operações, a Cosan estabeleceu uma estratégia para diminuir sua dependência do negócio de açúcar e álcool, negociando fusões, aquisições e joint ventures.

Para ilustrá-la, utilizemos as teorias do Professor Barney, citado anteriormente, que segundo as quais, a Cosan poderia ser considerada como uma empresa de diversificação corporativa limitada, classificando-se como negócio único ou dominante, uma vez que possuía apenas um produto dominante e outro estritamente ligado ao principal.

Face ao risco inerente de colocar todos os ovos em uma única cesta, partiu para uma estratégia conhecida como diversificação corporativa relacionada, caracterizada pela existência de diversos negócios com fortes vínculos entre si.

A joint venture com a Shell é um exemplo perfeito, integrando toda a cadeia de valor, do canavial às bombas nos postos de gasolina. Ainda nos postos, a Cosan tem a marca de óleo Mobil, e nos canaviais a Radar, empresa especializada no monitoramento via satélite de plantações. Ampliando o escopo para transportes e energia, conta em seu portfólio com as locomotivas e ferrovias da Rumo e a rede de distribuição de gás da Comgás, cujos negócios tem sinergias significativas.

Voltando ao tema financeiro, a Cosan lançou o aplicativo Payly, semelhante ao Alipay, do conglomerado Chinês de Jack Má, Ali Baba, para pagamentos e transferências de valores pelo smartphone. Como uma carteira virtual, permitirá pagamentos por meio de QR Code e transferências via telefone celular.

A estratégia, em princípio com poucos vínculos para  um grupo com foco em energia e transportes, pode ser considerada como diversificação corporativa relacionada, uma vez que permitirá a redução nos custos de suas transações financeiras ao eliminar bancos e bandeiras. Também permitirá que os recursos  circulem dentro de seu próprio ecossistema, hoje composto por mais de 20 milhões de clientes, sejam pessoas jurídicas como no caso da Rumo e Comgás ou pessoas físicas que abastecem seus carros nos postos da Shell.

Para convencer os donos de postos a usar seu aplicativo, a Payly cobrará 0.1% por transação, ou seja, bem abaixo que a taxa média dos cartões bancários, em torno de 2.6%. A ideia é ganhar com o float(4) dos recursos que os clientes deixarão no aplicativo, e num futuro próximo com comissões sobre a prestação de serviços como recargas de celulares pré-pagos.

Como arcabouço jurídico, a Cosan caracteriza-se como uma IP ou instituição de pagamento, respaldada pela lei 12.865 de 2013, a qual dispõe sobre os arranjos de pagamentos (5) do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), cujos objetivos são o aumento da concorrência e uma maior inclusão financeira.

Após o fim do monopólio das empresas credenciadoras Cielo e Rede, acredito que já tenha visto diversas novas empresas, oferecendo em horário nobre da televisão serviços similares ao Payly.

Enfim, respondendo à pergunta do título, não só uma usina pode oferecer uma conta digital, assim como diversas iniciativas similares deverão acontecer em um futuro próximo. Basta olhar ao redor e imaginar quantas empresas com grandes bases de clientes poderiam alavancar este ativo, diminuindo seus custos financeiros e fidelizando seus clientes, através da oferta de conveniência e menores custos de transação, aproveitando os vínculos e sinergias da teoria de diversificação escrita pelo professor Barney.

Marcos Morita e Antônio Dirceu de Miranda, são autor e coautor respectivamente de textos para o blog da Bankrisk School of Banking.

Bibliografia:

  • Jay B. Barney (1991) “Firm Resources and Sustained Competitive Advantage,” Journal of Management, 17(1): 99-120.
  • Jay B. Barney (1995) “Looking Inside for Competitive Advantage,” Academy of Management Executive, 9(4): 49-61.
  • Jay B. Barney and William Hesterly. (2014) Strategic Management and Competitive Advantage. Currently in 5th edition. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall. (Translated into Chinese, Korean)

Para saber mais:

https://www.bcb.gov.br
https://www.cosan.com.br
https://exame.abril.com.br/negocios/gigante-do-acucar-e-alcool-cosan-quer-criar-alipay-do-brasil/

Referências

¹joint venture: união de duas ou mais empresas já existentes com o objetivo de iniciar ou realizar uma atividade econômica comum;
²Jay B. Barney: professor norte-americano em gestão estratégica, mais conhecido por suas contribuições à teoria baseada em recursos;
3milagre econômico: período entre 1969 e 1973, durante a ditadura militar, caracterizado pelo alto crescimento do PIB, com taxas acima de 10% ao ano;
4float: permanência de recursos transitórios dos clientes em suas contas;
5arranjo de pagamentos: conjunto de regras e procedimentos que disciplina a prestação de determinado serviço de pagamento ao público;